24 de abril de 2010

Bako Dagnon “Sidiba”

Do encontro entre dois mundos se trata ainda. E, mesmo que na sua união escasseiem as virtudes e sobejem os defeitos, continuam, como num mau casamento, a não conseguir viver um sem o outro. “Sidiba”, à semelhança do que se tem passado nos discos de Salif Keita, vem nesta perspectiva confirmar a incapacidade de produtores europeus em compreender os impulsos de modernização na música do Mali. Assim, recorrendo a redundantes efeitos de pós-produção que a enfartam, desperdiçam Jean Lamoot e Jean-Louis Solans o essencial de uma proposta que, no seu discretíssimo radicalismo, arriscou já uma inesperada alteração de paradigma. Pois – e nem as notas de apresentação lhe dão o devido crédito – este segundo CD da antiga cantora do Ensemble Instrumental du Mali dispensa por completo instrumentos associados à tradição das jelimusolu. E ao substituir a kora, o ngoni e o balafon por duas guitarras acústicas e uma eléctrica – nas mãos de Mama Sissoko, veterano dos Maravillas de Mali ou National Badema – mais não faz do que anunciar uma condição eminentemente contemporânea para si e a criação de um novo espaço de subtileza para a arte griô. Ou seja, exemplificando, tratar-se-á de um caso de negligência acrescentar uma linha de baixo extraída às Antilhas a uma diáfana ‘Wouya Larana’, precisamente no momento em que replicam as vozes áspera de Dagnon e maviosa de Hadja Kouyaté, ou aproveitar qualquer tema de inspiração latina, como ‘Fadeen Tô’, para elevar na mistura uma guitarra flamenca gravada em Paris ou temer o silêncio que se adivinha em ‘Alpha Yaya’ ao ponto de saturar a reverberação de cada uma das suas notas e lhe sublinhar o tom em sintetizador. Claro que não será um sinal menor de grandeza sobreviver a tão infiel manipulação nem se imagina melhor e mais amadurecida voz para a enfrentar. Mas, como diz um velho provérbio mandingo, “por mais tempo que uma canoa passe dentro de água, nunca será um crocodilo”. E é essa pretensão que, por ora, impede o reconhecimento de um clássico.

17 de abril de 2010

“Brazilian Guitar Fuzz Bananas 1967-1976”

Por vezes fica no ar a impressão de que a fasquia não pode subir mais. Mas logo nos lembramos que os recordes só servem para ser quebrados. No caso – o da compilação de raridades – tudo é vagamente paroxístico e inflacionário. E só faz jus à fama o que anuncie um novo mundo. Disso saberá Joel Stones, aliás Joel Oliveira, proprietário da Tropicália in Furs (loja de discos na East Village) e responsável por esta selecção. Pois, armado com “uma verdade” (o single enquanto veículo de eleição para experiências estéticas desviantes), para o Brasil viajou com a única missão possível ao arquivista moderno: procurar aquilo que não se sabe existir. Encontrou ié-ié sinestético (Marisa Rossi), garage demente (Célio Balona), soul sideral (Tony Bizarro) e incontáveis variações de ácidos e toxinas como as que levaram os Youngsters aos Beatles, Serguei a cantar “meus cabelos virando jardins”, Fábio ao acrónimo ‘Lindo Sonho Delirante’ ou Ely Barra (Brazilian Bitles) a “fugir à realidade”. Tudo inédito em CD e apenas dois nomes (Mac Rybell e Loyce e Os Gnomos) já divulgados em blogues como Mopho ou Brazilian Nuggets. Exemplar.

10 de abril de 2010

“Afro-Rock Volume One”

Ninguém dirá que abriu as comportas – pois cedo caiu no esquecimento ou porque “Africafunk” em 1998 e “Club Africa” em 1999 o precederam –, mas, na medida em que existiram músicos que influenciaram mais outros músicos do que a música propriamente dita, não andará longe da verdade quem atribuir ao volume inaugural da Kona Records, em 2001, a inspiração para a subsequente militância da Soundway, Analog Africa, Sterns, Honest Jon’s, Vampisoul ou Strut, que agora o reedita e que então o superou com “Nigeria 70”. Isto é, para lá da cronologia, “Afro-Rock” comprova a mudança de paradigma – subvertendo perversões conservacionistas – na representação da música africana por editoras europeias. E, valorizando a mais incendiária, subterrânea, frenética e marginal produção queniana, ganesa ou congolesa, actualizou também o dicionário do funk, soul e do próprio afrobeat. Permanece uma extática experiência mas ganha contornos caucionários: aos seus activistas (Ishmael Jingo, Geraldo Pino, Steele Beauttah, etc) só garantiu reconhecimento póstumo.

2 de abril de 2010

“Jonny Trunk & Joel Martin Present Bollywood Funk Experience”

Não será pelo zelo demonstrado que ficará na memória. Aliás, Jonny Trunk (Trunk Records) e Joel Martin (Quiet Village), talvez pela presunção de verdade que há nos discos, nada dizem sobre os filmes por detrás da música. Mas mais conhecimento de causa teria evitado erros grosseiros nesta compilação e, num nicho de mercado subitamente saturado, a aparência daquele que vende gato por lebre (um exemplo: adjectiva-se de forma colorida o reggae ‘Mainne Kaun Koi Kya Jane’, de “Cricketer”, na voz da cantora Anuradha Paudwal; ora, o reggae existe, mas quem o canta é um homem, Bhupinder Singh, e intitula-se ‘Maine Kaha Tha Mat Jao Tum’). Além de que carece de rigor o seu conceito – pois sobra em tudo o que se possa imaginar, do mambo de estalar a pele de tambor ao mariachi mais embriagado, o que aqui falta em funk. Só que não deixa de ser suficientemente representativa esta reunião de temas, justificando que à sua custa ingresse num mundo desconhecido o ouvinte de espírito mais aventureiro. Ainda para mais quando, em rica caldeirada, sublinha a reincidência na bizarria ocidental e no suspensivo exotismo de nomes como R. D. Burman, Khayyam, Bappi Lahiri e das duplas Shankar-Jaikishan, Laxmikant-Pyarelal e Kalyanji-Anandji.

‘Lekar Hum Deewana Dil’, de “Yaadon Ki Baraat” (1973), cantado por Asha Bhosle e Kishore Kumar. Música de R.D. Burman