22 de abril de 2017

Mozart/Rachmaninov: Concertos & “Grigory Sokolov: A Conversation That Never Was” (Deutsche Grammophon, 2017)


Na sua última grande entrevista, em 1941, Sergei Rachmaninoff confessava que ao abandonar a Rússia tinha imediatamente renunciado a si: “Perdendo o meu país, perdi-me a mim mesmo”. Stravinsky costumava dizer algo do género. Aliás, como a generalidade dos órfãos da Revolução de Outubro, imagina-se que nem na poesia encontrasse consolo: “As saudades da pátria, que ilusão”, “Que me importam os rostos entre os quais/ possa viver como um leão rugindo?”, “O voraz leitor de jornais/ e mungidor de intrigas/ é do século vinte/ e eu de todos os séculos!”, “Perplexa como um tronco/ sou o que resta de uma alameda”, escreveu Tsvetáieva no exílio. Claro que Rachmaninoff não precisou de emigrar para conhecer a alienação e a carência: pelo contrário, cedeu-lhes o palco desde a primeira hora. E no “Concerto para Piano Nº 3”, em Ré menor, Op. 30, é toda uma assombração litúrgica que põe em cena, com aquelas ruminações ortodoxas entremeadas pelo telintar das vozes dos anjos: entregue a Sokolov, o início da longa cadenza é uma lenta procissão de um eremita à luz da vela, com o livro sagrado na mão esquerda e um sino na direita. E como Horowitz, Gilels ou Berman antes de si, eleva a melancolia do Adagio a um ato de comunhão e conduz ao êxtase a energia triunfalista do Finale. Trata-se de uma gravação arrebatadora, de 1995, nos Proms, com a Filarmónica da BBC e Yan Pascal Tortelier como que tomados de um fascínio irresistível por tudo aquilo que se passava ao piano. 

O mesmo se pode dizer da Orquestra de Câmara Mahler e de Trevor Pinnock no “Concerto para Piano Nº 23”, em Lá maior, K 488, de Mozart, num registo de 2005, também ele ao vivo. Aqui, é igualmente pelo Adagio (mais que raro, um objeto absolutamente insólito nos concertos para piano do compositor) que as coisas se definem e ao mesmo tempo transcendem: Sokolov toca-o de fora para dentro, reforçando-lhe a inclinação para a quietude, nem que seja para, depois, lhe reanimar a dimensão operática, casando a graça e a tragédia que tantas vezes se cruzam em Mozart. Como diz o maestro Valentin Nesterov em “A Conversation That Never Was”, documentário criado a partir de depoimentos de amigos e colegas do pianista, de material proveniente de arquivos estatais e de coleções particulares e dos poemas de Inna Sokolova (sua mulher): “O ‘Grisha’ dirige a música até às profundezas do seu coração para a fazer obedecer aos seus desígnios”.

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