9 de setembro de 2017

Aruán Ortiz "Cub(an)ism - Piano Solo" (Intakt, 2017)



Subindo ou descendo um degrau, Jesús Alemañy esticava bem os braços e fazia sucessivos enquadramentos com as mãos. Estávamos numa coxia do Grande Auditório do Centro Cultural de Belém, em 1999, e o líder dos Cubanismo verificava a disposição em palco dos seus músicos durante o ensaio. “Isto não é muito diferente da pintura”, dizia-me. “Olho para as secções da orquestra como se fossem cores numa paleta: os sopros ali, o piano acolá, o par de bailarinos ao centro. É o mesmo que representar volumes coloridos numa superfície plana. E, depois, na hora do concerto, tudo ganha vida com o som.” Como numa composição cubista, sugiro, algo inutilmente. “Pois claro”, responde. “Um cubismo cubano.” 

Agora, através da intromissão de um discreto parêntese no título deste seu CD, é a vez de Aruán Ortiz se socorrer da analogia, remetendo para a obra de Wifredo Lam, arauto da arte afro-cubana. Aliás, em termos afetivos, dir-se-ia, até, que este “Cub(an)ism” evoca a geração de Nicolás Guillén, Alejo Carpentier ou Emilio Ballagas, herdeira do modernismo finissecular, dada à observação dos escritos de Fernando Ortiz e que teve, na música, Amadeo Roldán e Alejandro García Caturla como expoentes. Bastará lembrar o que, em “Music in Latin America and the Caribbean”, escreveu Malena Kuss acerca dos dois: “Ao jeito dos cubistas, trataram de agrupar e justapor padrões rítmicos e blocos tímbricos como se fossem formas abstratas, estilhaçando o que na música tradicional se enunciava de modo contínuo.” Também Aruán Ortiz descontextualiza materiais, apropriando-se de marcadores encontrados na semântica da rumba ou da tumba, por exemplo, e colocando-os lado a lado com os do serialismo e indeterminismo. Há estruturas que se contraem, outras que se expandem, alusões a motivos familiares, mas não se busca tanto o transe quanto a transição: o piano, como diria Lorca, tornado uma “harpa de troncos vivos”.

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