13 de janeiro de 2018

Sirius “Acoustic Main Suite plus The Inner One” (Clean Feed, 2017)


Bem perto de nós, mais ou menos a oito anos-luz da Terra, na constelação de Cão Maior, encontra-se Sírio, o sistema de estrelas mais brilhante no céu noturno. Por sinal, é em meados de janeiro que atinge o meridiano à meia-noite e melhor se observa a olho nu – nem é preciso ir à Tapada da Ajuda. Em jeito de brincadeira, há coisa de uma semana, ao encontrar-me com Yaw Tembe para falar deste extraordinário disco, e imaginando o terraço da ZDB convertido em observatório astronómico, introduzo o assunto. Tembe ri-se da coincidência, mas nota-se que ao mesmo tempo a receia. Afinal, diz, vem trabalhando no sentido inverso ao da acumulação de significados: “Tínhamos nome para o grupo [Sirius são Tembe na trompete e Monsieur Trinité (Francisco Trindade) em percussão] antes ainda de termos a nossa música”, conta, levando a mão a uma chávena de chá de morangos e menta. “Desde aí, se é que posso falar pelo Francisco, e talvez por os termos já interiorizado, temos tentado libertar-nos de conceitos.” Aliás, no CD, a certa altura, Tembe declara solenemente que “o fim está em cada estado da matéria”. 

Trata-se de uma demanda – esta, de se aproximar da natureza dos elementos – que se tem imposto de forma regular no seu dia-a-dia (enquanto pedíamos, depois de ter passado os olhos pelo menu do salão de chá, desabafou amavelmente: “Por mim, dispensava os morangos, mas não há nada assim mais simples”). Também a música no álbum, extraída a duas sessões de gravação no Panteão Nacional (em 2015), lhe parece menos complicada do que aquela que fazia antes, quando, por exemplo, processava a sua trompete. “No Panteão”, recorda, “senti uma pressão praticamente atmosférica. O que me levou a pensar em algo menos concreto, mais ritualista, como se o som que me era devolvido naquele longo revérbero da sua nave central fosse um resíduo de outras coisas mais – de partículas, cinzas.” (A tocar no mesmo espaço, Peter Evans disse acontecer ali ao som aquilo que numa casa de espelhos se dá com o nosso reflexo.) Talvez por isso, por via de um trecho de “O Mistério de Sírio”, de Robert K. G. Temple, tenham incluído no CD uma referência ao Templo de Apolo, situado numa caverna, cuja dimensão alegórica o Panteão dá por ora mostras de sintetizar. Como quem põe um pé na Antiguidade e tem outro em órbita.

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