3 de fevereiro de 2018

Sylvie Courvoisier, Drew Gress & Kenny Wollesen "D’Agala" (Intakt, 2018)


Quando a Tate adquiriu “Maman”, a monumental escultura em forma de aranha de Louise Bourgeois, aproveitou para citar a artista: “[É uma peça] a homenagear a minha mãe, que era a minha melhor amiga. Como a aranha, a minha mãe era uma tecelã. E como as aranhas, era muito esperta, […] útil e protetora.” Mas não será bem a favoniar que tecem as suas teias: o objetivo, como se sabe, é deter e reter presas. Talvez por isso, aqui, se note um completo desamparo em ‘Bourgeois’s Spider’, com Courvoisier a transferir para o piano aqueles arrepiantes efeitos que Mark Snow popularizou em “Ficheiros Secretos”, desde o episódio “Tooms”, da temporada inaugural da série, quando tem em mãos material repugnante – não obstante Albert Roussel lhe ter indicado o caminho a seguir com “Le festin de l'araignée”, em 1912. Normalmente ao violino (num emaranhado de técnicas: pizzicato, col legno, glissando, etc.), a intenção dos compositores é transgredir o domínio do humano – e, na história da música, nessa perspetiva, nada terá mais impacto do que o que se dá aos dois minutos de “Tren ofiarom Hiroszimy”, de Penderecki. 

Também no tema de Courvoisier é algo alienante a maneira em que a pianista passa a percussionista – estamos muito longe da “Tarantella” de Liszt. Do mesmo modo, o disco surge assombrado pela morte – embora póstumas, há dedicatórias a Simone Veil, Geri Allen e John Abercrombie, falecidos em 2017. Acerca de Allen, a “The Village Voice”, Courvoisier disse ter ficado chocada pelo seu desaparecimento: “Ela alterou a visão que tinha da música – e era um modelo, uma inspiração, enquanto mulher e pianista.” Não se espere uma elegia tradicional: enquanto Courvoisier expõe o tema com a mão direita, Kenny Wollesen, em segundo plano, dá à manivela num bizarro instrumento inventado por si – o som aproxima-se ao de uma matraca – e a ideia com que se fica é a de um caixão a ser lentamente descido à terra. Courvoisier continua a desafiar convenções. A diferença é que, agora, aparenta fazer malha, em vez de mantas de retalhos. Tudo é formal, mas igualmente dramático. Como uma teia de aranha.

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